Os céus estão ficando cada vez mais perigosos.Nunca o medo de voar fez parte da minha vida.Acompanho e consolo inúmeros amigos e familiares que sofrem deste mal.A cada tragédia aérea lá estou eu, a criar argumentos diversos para acalma-los.Não sei se os loucos são eles ou sou eu, por não sentir qualquer pavor mesmo sabendo que voamos num sistema tão desorganizado quanto bolsa de mulher.
Porém na minha última travessia América x Brasil, descobri que também tenho medo de voar.Não exatamente o mesmo medo dos meus amigos.Vou explicar melhor este insight.
Me encontro em Dallas aguardando minha conexão para São Paulo, um pouco mal humorada pelo cansaço e pelo longo vôo cheio de brasileiros empolgados e com flashes pipocando (a praga da fotografia digital que já dominou o mundo) que me aguarda.A companhia aérea nos embarca, nos senta, nos manda calar a boca e apertar os cintos, após 20 minutos eles nos botam para fora com nossas bagagens de mão, explicando que teriam que fazer um teste na aeronave para verificar um possível problema mecânico.Lá estou eu, carregada de muambas e novamente saindo do avião, senti o mau humor aumentar.
Cerca de uma hora e meia depois, somos novamente embarcados e o processo segue como anteriormente.Após uma hora andando na pista,o piloto nos informa que há uma luz estranha acesa no painel e por isso devemos novamente aguardar.Agora esperamos por 2 técnicos que entrariam na aeronave para verificar o problema.Ainda me sentindo segura porém entediada, resolvi olhar a meu redor para me distrair e tentar esquecer o mau humor.
Ao fazer o reconhecimento da área percebo ao meu lado esquerdo uns rapazes jovens, fortes, faceiros e completamente cobertos em marcas como oakley, diesel, nike e munidos de novíssimos ipod, camera fotografica, laptop, mochila maneira...ao meu lado direito percebo uma senhorita nada delicada que quase me atropelou no momento em que colocava minha bagagem de mão no compartimento pertinente.
Então puxo papo com os meninos, já sabendo que vou me irritar com os tipinhos, mas o tédio me forçou a interagir e a inteligência me guiou para longe de um papo com a troncuda.
Conversando com os garotos descubro, sem muito esforço, que estavam em Los Angeles para competir no campeonato mundial de jiu-jitsu, descubro os apelidos Sapo, Rominho e Pajé.Sem querer saber, fico sabendo quem ganhou em primeiro, quem ganhou em segundo e terceiro lugares da competição, quais as categorias, qual o roteiro da viagem e claro o destino final. A partir daí tudo desandou, vi fotos de Las Vegas narradas por um profundo vocabulário que dizia: "maneeeiro, doooido,na moral,..."
Vi imagens fotográficas que forçavam os pescosos e muques, sempre com as mãozinhas hang loose, peace ou aquele jóinha acompanhado de um sorriso maroto.Eu já não aguentava mais.Já estava esquecendo a concordância verbal, falando gírias que nem me lembrava, rindo de imbecilidades e ainda pedi uma vodka para o Pajé que já tinha tomado uma de direito e não queria pagar pela segunda.
Tentei fugir, mas com lugares marcados como poderia? Já sufocada,resolvi apelar e buscar ajuda no meu lado direito...quem sabe respirar ares não dominados pela da nação jiu-jiteira.De repente meu olhar agonizante enxerga no casaco da troncuda ao meu lado direito os dizeres: "Carmem-Casca-Grossa Jiu-Jitsu"!
Lá se foi minha esperança... e com ela minha ausência de medo de avião...mas acompanhada de uma boa risada interior
Assim começou meu medo de voar.Não exatamente como o de meus amigos,mas tão aterrorizador quanto.Do lado de quem irei parar em meus próximos vôos de longas horas? Voar tantas horas resulta mesmo em uma intimidade forçada.Vamos jantar juntos, dormir juntos e dividir o banheiro como uma grande família aérea.Que medo!!
